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YouTube: como é a TV que seus filhos assistem

As crianças brasileiras estão entre as que mais assistem a vídeos na internet. Conteúdos polêmicos, como o chamado 'unboxing', cresceram 300% no último ano

Por Juliana Cunha
Atualizado em 19 mar 2017, 13h55 - Publicado em 19 mar 2017, 09h35

No início do vídeo Fiz no Primeiro Encontro com Giovanna Grigio, a própria interpreta, em tom de deboche: “Você perdeu sua virgindade comigo. E foi uma bosta!”. Ao lado da atriz, de 19 anos, o paraense Christian Figueiredo, 22 anos, gargalha. Os dois estão sentados de frente para a câmera no que parece ser o quarto dele. E conversam sobre a trajetória de Christian, que virou filme recentemente (e sucesso de bilheteria) com Giovanna no papel de sua primeira namorada.

Ele é dono do canal Eu Fico Loko, que tem 7,5 milhões de seguidores no YouTube. O vídeo em questão, que continua com os dois respondendo a dúvidas e dando conselhos à audiência, como num velho consultório sentimental, alcançou quase 3 milhões de visualizações em apenas uma semana. A audiência de Christian faz inveja a qualquer canal de tevê aberta. Mas não é de estranhar que você nunca tenha nem ouvido falar dos personagens em questão. O motivo: eles não se direcionam a você e nem passam na tevê.

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Dos 100 canais de maior audiência do YouTube Brasil (dos quais o de Christian faz parte), metade atinge o público de até 12 anos. A estatística é resultado da pesquisa de Luciana Corrêa, coordenadora do Media Lab, laboratório especializado em cultura digital da ESPM, em São Paulo. Ao estudar o comportamento digital infantojuvenil, ela mapeou o consumo e a produção de vídeos para essa faixa etária. “As crianças brasileiras estão entre as que mais usam o YouTube e entre as que começam mais precocemente”, afirma Corrêa.

O principal dilema apresentado por essa revolução da informação é que o conteúdo desses vídeos é pouco regulado e varia bastante. “Se, na televisão, existe um canal com uma equipe especializada por trás e certa vigilância da sociedade, nas plataformas digitais de vídeo qualquer pessoa pode publicar qualquer coisa. Não raro, crianças consomem vídeos produzidos por outras crianças ou por jovens sem nenhum preparo”, afirma Corrêa.

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Isso acontece porque esses sites (além do YouTube, há o Vimeo e o Blip.tv) se colocam como “plataformas de criadores”, e não como um serviço de curadoria ou de gerenciamento de conteúdo. Ou seja, a empresa não se responsabiliza pelo que passa ali, desde que sejam seguidos requisitos mínimos, tais como não conter pornografia, discurso de ódio contra minorias ou imagens fortes de violência. A triagem é feita por robôs, que analisam o som e as imagens buscando, por exemplo, corpos nus ou determinadas palavras-chave. Assim, define-se, inclusive, a classificação etária do vídeo. A partir daí, ele só será retirado do ar ou terá sua classificação alterada caso alguém o denuncie.

Desde junho passado, o YouTube conta com o aplicativo Kids, com foco em crianças até 12 anos, que inclui algumas ferramentas de controle do uso, além de só disponibilizar vídeos classificados pelo algoritmo como infantis ou livres. A censura, nesse caso, ainda é feita pelos computadores, sem interferência humana. A única segurança adicional é que um vídeo só chega ao Kids um ou dois dias depois de ter sido postado na plataforma principal. “Isso dá uma segurança a mais porque, nesse tempo, alguém pode denunciá-lo como impróprio”, afirma Clarissa Orberg, gerente de conteúdo do YouTube Kids.

https://www.instagram.com/p/BOnjKxVDqps/?taken-by=kefera

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Vem pra proteger

Existe pouca discordância em relação à necessidade de se limitar o tempo de exposição a telas. Psicólogos, pedagogos, pediatras e neurocientistas mais avessos defendem que o uso seja o menor possível até a maior idade possível. No entanto, controlar o uso na prática é um desafio.

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Na avaliação de Corrêa, “o jeito ideal de usar o YouTube na infância seria não usá-lo”, mas ela reconhece que esse é um ideal mais distante que a lancheira da Bela Gil. “Minha  pesquisa aponta que o consumo de conteúdo infantil na plataforma vem aumentando. Então, me parece contraproducente tentar banir, mas também não dá para aceitar como fato e entregar a Deus”, opina. Em janeiro de 2016, os 270 canais infantis monitorados pelo Media Lab contavam um total de 28 bilhões de visualizações. No ano seguinte, já eram 66 bilhões.

Cabe, portanto, ajudar os filhos a “criar anticorpos” para navegar pela internet. “O mundo que está posto é este: altamente digital e permeado por mensagens e publicidade que frequentemente passam longe do ideal. Nossa obrigação, como adultos, é ajudar os menores a criar os próprios recursos de censura, dando acesso aos conteúdos aos poucos e orientando a discernir o que deve ou não ser aproveitado”, diz o psicanalista Pedro de Santi, de São Paulo.

No caso dos adolescentes, Santi acredita que vetar determinados conteúdos só reforça o encanto pelo proibido. “Nessa idade, espera-se que o jovem já tenha o próprio filtro. Muitas vezes, eles consomem vídeos com comentários preconceituosos, mas os criticam em suas redes sociais”, afirma. Nesse sentido, assistir junto, sempre que possível, parece ser a melhor estratégia. “Os pais estão o tempo todo dizendo: ‘Põe um fone, abaixa o volume’, quando, na verdade, deveriam pedir: ‘Aumenta, quero saber o que você está vendo’ ”, exemplifica Corrêa.

O acompanhamento não serve apenas para interromper um vídeo impróprio. O adulto pode ajudar a fazer uma crítica, rebatendo o que foi dito no vídeo ou mostrando que não se pode acreditar em tudo o que se vê e que existem outras formas de enxergar o mundo. Também é importante conhecer quais os youtubers favoritos do seu filho, avaliar o tipo de mensagem que eles passam e observar se estão reproduzindo opiniões equivocadas. “Mesmo o jovem, que finge que não escuta os pais, ainda os tem como referência, o que pode muni-lo de bons argumentos para usar com os amigos”, explica Santi.    

Entre as opiniões controversas emitidas por youtubers infantojuvenis estão comentários de teor gordofóbico, preconceitos de classe e contra determinadas regiões do país. Essas opiniões muitas vezes surgem como piadas, mas a criança incorpora seus valores. “Uma categoria muito popular de vídeos é a dos que fazem comparativos entre férias ou volta às aulas de rico e de pobre. Quase sempre contêm opiniões lamentáveis sobre o valor do dinheiro ou sobre pessoas mais humildes”, diz Corrêa.

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Muitos youtubers famosos já foram criticados por comentários vistos como preconceituosos. Kéfera, 24 anos, do canal 5inco Minutos (10 milhões de seguidores), por exemplo, é reincidente em chamar outras mulheres de “vacas” e já fez um vídeo em que o namorado pintava o rosto de preto para interpretar um cantor negro. Ela não se desculpa pelos comentários, que não considera inadequados. Por outro lado, Felipe Neto, 29 anos, do canal homônimo (quase 9 milhões de seguidores), chegou a fazer um vídeo reconhecendo momentos em que foi machista ou homofóbico e ensinando os seguidores a “deixar de ser babacas”. 

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MANTEIGA BOLA GENGIBRE PISTOLEIRO JAGUNÇO METONÍMIA JARBAS

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Sem intervalo

A programação digital não tem pausa para o comercial. A propaganda, no entanto, aparece disfarçada de conteúdo. São resenhas de produtos, “recebidos do mês”, “encontrinhos” de youtubers mirins promovidos por lojas de brinquedo e vídeos de unboxing (em que um produto é desembalado e apresentado com grande cerimônia), categoria que aumentou 300% no último ano. Se em janeiro do ano passado ela somava 2 bilhões de visualizações, hoje já tem 7,9 bilhões. Na prática, esse tipo de conteúdo atende pelo nome de merchandise, estratégia de publicidade que é proibida para produtos infantis e que não ocorre na televisão.

“Antes dos 8 anos, uma criança não discerne entre o que é conteúdo e o que é publicidade”, afirma a  advogada Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana. A entidade defende o fim da publicidade para menores de 12 anos e enxerga a cultura dos vídeos na internet como um agravante de um problema antigo.

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No ano passado, o Alana entrou com uma denúncia no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro contra 15 empresas de brinquedos, vestuário, material escolar e turismo que enviavam produtos para que youtubers mirins fizessem resenhas. “É o tipo mais cruel de publicidade disfarçada. Além de não ser apresentada como tal, há o status especial do produto, que vem de graça, muitas vezes antes do lançamento oficial”, afirma Karageorgiadis. Segundo ela, muitas dessas minicelebridades estão recebendo bem mais do que presentes: são pagas pelas marcas.

Para fugir desse bombardeio publicitário, os pais costumam restringir o acesso ao YouTube, dando preferência a opções fechadas, como a Netflix, que não trabalha com intervalo comercial. Não é para tanto. Vale lembrar que há, sim, conteúdo de qualidade disponível entre os canais digitais – o Manual do Mundo, sobre ciências, e o Turma da Mônica, que traz as aventuras dos personagens de Mauricio de Sousa, são ótimos exemplos.

“Para meu filho, de 3 anos, eu prefiro a Netflix, que tem uma boa programação e está livre de comerciais. Mas o YouTube é legal para coisas superespecíficas: agora ele está pirando com vídeos de massinha de modelar do Homem Aranha. A única chance de isso existir é na internet”, lembra Bia Granja, fundadora do Youpix, um dos sites mais conhecidos do país quando o assunto é pensar a rede. “Para os adolescentes, eu acredito que o YouTube seja mais interessante do que a tevê. Existem canais feministas, como o Canal das Bees e o Jout Jout Prazer, com opiniões interessantes, que não se veem na televisão”, finaliza Bia.

Dicas para fiscalizar os menores

• Prefira usar o app do YouTube Kids. Lá, o controle de publicidade e de conteúdo impróprio é um pouco mais rigoroso.

Bloqueie canais que considerar inadequados. Dedique algum tempo para analisar quais acha prejudiciais. Você pode buscar por “unboxing” ou por “recebidos do mês”.

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• Inscrever-se em canais que você considera positivos ajuda que os vídeos desse canal apareçam em destaque, aumentando as chances de que seu filho os assista.

• No aplicativo, é possível limitar o tempo de uso. O recomendado é no máximo uma hora por dia até os 8 anos e duas horas para os maiores.

Até os 7 anos, esteja sempre ao lado de seu filho enquanto ele vê vídeos online. Depois disso, você pode até

não estar assistindo, mas peça que ele tire o fone e aumente o volume para que você possa acompanhar minimamente.

• Prefira plataformas com alguma curadoria, como Netflix, Looke, Now, Vivo Play ou iTunes. A qualidade média do conteúdo costuma ser maior, não há intervalo comercial e o risco de conteúdo impróprio é menor.

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