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Problemas de saúde típicos de adultos estão atingindo cada vez mais crianças

Eles são pequenos, mas já apresentam colesterol alterado, hipertensão, ansiedade, depressão e outros quadros típicos de adultos. Entenda por que a incidência desses problemas aumentou nas últimas décadas e como mantê-los longe da infância

Por Ana Paula Alfano
Atualizado em 27 out 2016, 23h31 - Publicado em 24 abr 2016, 07h00

Há pouco mais de um ano, um exame de sangue apontou que o nível de colesterol do pequeno Thyago estava alterado. Sua mãe, a dona de casa Adriana Conceição, 42 anos, do Distrito Federal, orientada por uma nutricionista, trocou boa parte dos produtos industrializados que o menino consumia por alimentos preparados em casa, com pouco óleo. A tarefa não tem sido fácil. “Ele odeia tanto frutas que engole sem mastigar para não sentir o gosto. Aprendi a fazer iogurte natural, mas preciso colocar no pote da marca que ele costumava consumir, com algumas gotas de corante para ficar rosado como o industrializado, ou ele não toma.” Thyago, aos 5 anos, mede 1,30 metro e pesa 53 quilos – o que configura obesidade. O excesso de peso elevou o nível do colesterol ruim (LDL) e provocou aumento das mamas, bem como apneia do sono. Fazem parte do tratamento mudanças na dieta, além de natação, que ele começou a praticar há dois meses. O caminho ainda é longo, e a mãe de Thyago não está sozinha. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o aumento dos níveis de LDL ou a queda dos de HDL (o colesterol “bom”) afetam, pelo menos, 20% da população entre 2 e 19 anos. Esse é, aliás, o mais frequente dos problemas de saúde outrora típicos de adultos que, cada vez mais, têm sido diagnosticados em crianças.

A última Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que 33,5% das crianças de 5 a 9 anos estão acima do peso. Em 1974, esse índice era de 10,9% em meninos e 8,6% em meninas. O aumento também é observado entre os adultos: nesse período, o excesso de peso quase triplicou na população com mais de 20 anos. Hoje considerada uma epidemia, a obesidade traz, além de alteração dos níveis de colesterol, problemas como hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e depressão. “Está se criando uma geração que poderá viver menos que seus pais se o quadro não for revertido”, alerta a endocrinologista Maria Edna de Melo, coordenadora da Liga de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Uma das grandes culpadas por isso é a vida corrida, que faz com que a praticidade dite as regras na hora de montar o prato dos filhos. “Os erros mais comuns na dieta das crianças são a falta de fibras e o excesso de açúcar e gordura vegetal hidrogenada (gordura trans)”, aponta a nutricionista Mariana Del Bosco, de São Paulo. “Muitos pais comem errado, estão com sobrepeso e reproduzem os maus hábitos à mesa com os filhos”, diz. O endocrinologista pediátrico Thiago Santos Hirose, de Ribeirão Preto (SP), concorda: “A obesidade é um problema facilmente reversível. Na maioria dos casos, basta seguir uma alimentação saudável e praticar atividade física para contorná-lo”. Mas muitos não o fazem.

Vidas sob pressão

A exposição excessiva às telas, muitas vezes apontada como um dos motivos para o aumento do sedentarismo e da alimentação errada, trouxe também casos recorrentes de cefaleias comuns e enxaquecas, irritação e vermelhidão dos olhos e até miopia transitória – dificuldade para enxergar de longe por causa de um turvamento da visão que pode durar horas, meses ou até tornar-se permanente se os hábitos não mudarem. “Muitos pais e pediatras veem a dor de cabeça como algo normal. Pode até ser, desde que surja eventual e isoladamente. Quando é corriqueira ou vem acompanhada de vômitos e outros sintomas, deve-se consultar um neurologista”, avisa a pediatra Sônia Liston, do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, em São Paulo. Segundo a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), 39% das crianças até 6 anos já tiveram dor de cabeça. O índice sobe para 70% entre jovens até 15 anos. Para o neurologista Fernando Kowacs, vice-coordenador do departamento de cefaleia da ABN, aspectos relacionados à vida contemporânea, como stress na escola, ansiedade, noites maldormidas e longas horas em jejum, podem desencadear ou agravar uma crise. “Há duas décadas, achava-se que criança não tinha dor de cabeça crônica”, afirma. De alguns anos para cá, estudos mostraram que cerca de 10% das crianças que procuram o consultório com queixa de dor de cabeça sofrem de enxaqueca.

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A ansiedade é outro mal dos nossos tempos que também afeta a saúde dos pequenos, contribuindo decisivamente para o aumento dos casos de depressão. Até a década de 1970, pensava-se que a doença na infância era raríssima ou inexistente. “Presumia-se que toda criança era feliz e sem problemas na vida”, explica Ivete Gattás, coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Estudos mostraram que isso não era verdade. Ao longo dos anos, o diagnóstico do problema e a atenção dedicada a ele aumentaram. “Hoje se sabe que a piora da qualidade de vida, notadamente nos grandes centros urbanos – maiores jornadas de trabalho, mais competitividade, muitas horas em um trânsito caótico, menos tempo para atividades físicas e uma vida automatizada, em frente à TV e às telas de computador e smartphones –, eleva os riscos de transtornos mentais”, afirma a médica. Além disso, os pequenos estão cada vez mais expostos aos problemas e às expectativas dos adultos. Convivem com a violência, a correria, a concorrência e o stress dos pais – também em níveis crescentes. As crianças espelham-se nos adultos e, se o mundo todo à volta está mais ansioso, o mesmo acontece com elas. “E ainda há a cobrança pelo sucesso. É legítimo que os pais se preocupem com seus filhos, que queiram que sejam bons alunos e saibam falar outra língua. Mas exigir que a criança dê conta de tudo e tenha sempre o melhor desempenho coloca muita pressão sobre ela.”

Ivete alerta que, na infância, os sintomas de depressão são diferentes dos apresentados em adultos. Crianças até 6 ou 7 anos reclamam de dores abdominais e de cabeça com frequência, fadiga, tontura, ansiedade e fobias, têm agitação psicomotora ou hiperatividade, irritabilidade, diminuição do apetite (com reflexo no peso, geralmente abaixo do mínimo recomendado para a idade) e alterações do sono. Pode acontecer também de deixarem escapar xixi e cocô mais vezes na roupa, assim como comunicação deficiente, choro frequente e agressividade. Entre os 7 e 12 anos, são mais fortes apatia, isolamento, fadiga, problemas de aprendizagem, choro fácil e, às vezes, até desejo de morrer. Dos 12 em diante, os sintomas se assemelham aos dos adultos: tristeza, desmotivação, perda de apetite, distúrbios do sono e pensamento suicida. O tratamento, até os 8 anos, raramente é feito com medicação. “Usamos mais a terapia, muitas vezes com envolvimento dos pais, porque quase sempre é preciso mudar a dinâmica familiar”, explica Ivete. Se a doença não for tratada, a curto prazo a criança terá prejuízos em sua vida social. A médio e longo prazos, a depressão pode se tornar crônica; e o tratamento, mais difícil. “A doença na infância é um fator de risco forte para que surja na fase adulta”, orienta a médica. “É preciso dar a nossas crianças o que mais falta hoje, que é o exercício da relação humana, contato afetivo. Cada uma vive em seu mundo individual, não reconhece a emoção do outro e não consegue lidar com as próprias emoções, frustrações e ansiedade.” Serenidade, ambiente harmônico em casa, alimentação equilibrada, exercícios físicos: os tempos podem ser outros, mas as melhores escolhas são milenares.

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