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O relato de uma mãe que não conseguiu amamentar: “Me olhavam como se eu fosse preguiçosa”

O leite materno é o alimento ideal para o bebê e a importância do aleitamento é indiscutível. Mas nem sempre o processo corre de forma tranquila e muitas mulheres se sentem fracassadas quando não conseguem amamentar. Em um depoimento corajoso, a jornalista Ana Paula Alfano compartilha sua experiência.

Por Ana Paula Alfano
Atualizado em 28 out 2016, 16h12 - Publicado em 15 fev 2016, 13h57

“Eu tinha apenas 16 anos quando ouvi do médico: ‘É quase certo que você não vai poder amamentar, ok?’. Eu passara a adolescência inteira lidando com meus seios gigantes – me escondia atrás de camisetas largas, vivia curvada, não usava biquíni desde os 11 anos, tinha a autoestima lá no pé. Passar por uma mamoplastia redutora não foi apenas algo libertador, mas algo absolutamente necessário. A possibilidade de não poder amamentar, para uma menina de 16 anos que nem sabia se um dia seria mãe, tinha um peso infinitamente menor do que o mais de meio quilo que o médico tirou de cada peito. A vida de fato seguiu bem mais leve, até que, 22 anos mais tarde, eu engravidei.

Durante toda a gestação, o fantasma de talvez não ser capaz de amamentar me atormentou. Eu sabia que boa parte das minhas glândulas mamárias havia sido retirada pela cirurgia de redução. E que o problema maior eram os dutos cortados na mamoplastia. Mas repetia, diariamente, o mantra ‘terei leite, terei leite, terei leite’.

Eu tive mais de duas décadas para digerir a possibilidade de não conseguir. Mas, quando ouvi da enfermeira da maternidade, no segundo dia de vida da minha filha, Alice, que ela estava chorando de fome e que não havia o que fazer a não ser oferecer fórmula, aquilo pareceu um soco no estômago. Ninguém prepara você para isso. Autorizei que dessem um leite hipoalergênico para a bebê – sou intolerante à lactose – e, quando a enfermeira saiu do quarto, chorei baixinho. É normal o leite demorar alguns dias para descer, após o parto – ainda mais em uma cesárea, o meu caso. Mas eu só pensava na cirurgia que havia feito anos atrás, e na minha provável incapacidade de amamentar. Era como se eu estivesse falhando já na primeira missão como mãe.

Nesse dia tive uma amostra do quanto nós, mulheres, nos cobramos para que a amamentação seja, de cara, algo perfeito. Do quanto a expectativa pode nos atrapalhar. E, pior, do quanto muitas vezes estamos sozinhas nesta busca pelo “sucesso”. Na maternidade onde minha filha nasceu, soube depois, existe um grupo de apoio ao aleitamento materno. Ninguém, no entanto, me ofereceu ajuda. ‘Ah, você já fez cirurgia redutora? Difícil conseguir amamentar’, ouvi de mais de uma enfermeira, enquanto tentava, meio que por intuição, achar sozinha a posição certa para colocar Alice nos seios. Elas também insistiam que eu não podia deixar a bebê muito tempo no peito, porque ‘não vai sair leite mesmo, só vai te machucar’.

Quando chegamos em casa, a rotina dela de mamadas já incluía o peito e, na sequência, o complemento de leite artificial. Na primeira consulta com o pediatra, conversei sobre a possibilidade de reverter aquilo. ‘Pela quantidade de leite artificial que ela já mama, é quase impossível você conseguir amamentação exclusiva’, foi o que ouvi. Mais uma vez, em vez de ser protegida, de ouvir um ‘você não vai ser menos mãe porque sua filha toma leite artificial, vai ficar tudo bem com vocês’, apenas ouvi o ‘não’.

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Mas não me dei por vencida e fui buscar ajuda com alguém que entendesse de amamentação da maneira que eu esperava – informativa, mas também afável, humanizada. Uma fonoaudióloga especialista em aleitamento materno pelo International Board of Lactation Consultant Examiners (IBCLC) foi à nossa casa quando Alice tinha apenas uma semana. Viu que a pega no bico estava certinha e então nos ensinou a usar uma sonda, para tentarmos aumentar a produção de leite. Funciona como uma espécie de canudinho – um dos lados fica na mamadeira com fórmula, o outro é colocado junto ao bico do seio. Assim, Alice sugava o leite da mamadeira ao mesmo tempo que sugava meu peito, estimulando a produção de leite. E, como o leite artificial vinha por um canudinho fino, e não jorrando pelo bico da mamadeira, ela acabava tomando menos essa fórmula. Fiz isso durante uma semana – era um trabalhão danado esterilizar tudo, montar o aparato, acertar a posição da sonda. Mas era delicioso ter a pequena no peito por horas e horas. Quando voltamos ao pediatra, para a consulta de rotina, veio o balde de água fria. Alice ganhara menos peso do que era recomendado para a idade dela – no primeiro trimestre de vida, entre 20 e 30 gramas por dia. ‘Entendo que você queira tentar a sonda’, o médico disse. ‘Mas não está funcionando. Sua filha tem passado fome.’ Quem quer ouvir isso? Saí de lá, aposentei a sonda e finalmente desisti: seguiríamos amamentando conforme minha produção permitisse, com uma mamadeira cheia de leite artificial logo após o peito.

Quando Alice tinha pouco mais de 4 meses, eu já estava mais tranquila (e conformada) com a nossa realidade. Mas aí veio o susto. Depois de algum tempo apresentando desconfortos gástricos que o pediatra jurava serem normais, fui trocar uma fralda da Alice e havia sangue no cocô. Diagnóstico: alergia à proteína do leite de vaca. Quando um bebê tem isso, a mãe pode – e deve -, continuar amamentando por causa dos anticorpos que passa para o filho. Mas é necessário que ela corte da dieta leite, derivados e muitas vezes até traços de leite. ‘Olha, a decisão sobre continuar amamentando ou não é sua’, me disse o pediatra. ‘Vamos trocar o leite artificial por um especial para alérgicos. Mas não sei se compensa você seguir uma dieta tão rigorosa, ela toma tão pouco do seu leite…’ E foi assim, ainda meio atordoada pelo diagnóstico de uma alergia alimentar sobre a qual eu quase nada sabia na época, que parei de amamentar. Alice tinha 5 meses.

Depois disso, muitas vezes outra mulher olhou para mim com cara de reprovação. A mãe que não amamenta é quase sempre vilã, uma preguiçosa desnaturada. O julgamento vem antes de algo que eu considero fundamental para que mais mães tenham sucesso na amamentação: informação e acolhimento. Eu busquei informação, mas nos lugares errados. E quase nunca fui acolhida.

Alice hoje está com 2 anos e, analisando de fora a minha própria história, enxergo vários erros que me impediram de amamentá-la por mais tempo. Estar cercada dos profissionais certos é algo determinante. Obstetras, enfermeiras e pediatras – muitos deles são despreparados. Falta delicadeza, colo e paciência. Outro problema frequente é a oferta do leite artificial na maternidade a torto e a direito. Bebê chorou? ‘É fome, podemos dar um complemento, mamãe?’ Que mãe está preparada para dizer não? Isso, além de atrapalhar a amamentação, expõe o recém-nascido a proteínas para as quais seu sistema digestivo não está pronto e pode levar a reações alérgicas.

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Havia uma explicação fisiológica para o meu caso. Mas ela sempre foi amplificada pelos especialistas à minha volta, quando eles deveriam ter me incentivado a driblá-la, ter me aconchegado e dito: “Ei, não importa se você dá apenas uma gotinha de leite materno por dia para a sua filha, siga em frente mesmo assim. E, se não der certo, tudo bem. Amamentar é importante, mas ser mãe é muito mais do que isso.” Porque o tempo de fato me mostrou que há realizações em outros zilhões de coisas na maternidade. Amamentar é apenas o comecinho da jornada.”

“Uma gotinha é melhor que nada”

Segundo a pediatra Clarice Blaj Neufeld, professora assistente do Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo, as mamoplastias são as principais causas de insucesso na amamentação. “Isso não quer dizer que essa mãe não possa amamentar. A indicação é que ela amamente nem que tenha apenas uma gota de leite materno por dia. Jamais digo para parar, porque os benefícios vão muito além dos nutricionais.” Nos casos em que a mãe apresenta uma produção aquém da necessidade do bebê, no entanto, é preciso um acompanhamento mais frequente do pediatra. “É importante pesar a cada três ou quatro dias, para ver se a criança ganha peso. Se ela cair muito na curva de crescimento, mesmo após algumas tentativas para contornar o problema, o complemento pode ser necessário”, orienta Clarice.

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