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Entenda as propostas educacionais em discussão no Brasil

Qual é o impacto de projetos como a nova Base Curricular, a reforma do Ensino Médio e o programa Escola Sem Partido na formação de crianças e adolescentes?

Por Bruna Nicolielo
Atualizado em 18 fev 2020, 12h46 - Publicado em 29 jun 2017, 10h35

A efervescência da discussão política chegou às escolas, levando a educação a uma batalha ideológica. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ganhou o noticiário graças à exclusão dos termos “identidade de gênero” e “orientação sexual” do programa escolar.

Já a reforma do ensino médio, instituída por meio de medida provisória, foi o estopim para protestos e ocupações nas escolas, repetindo as manifestações contra a reorganização escolar paulista em 2015. A falta de clareza na comunicação à sociedade prejudicou seu entendimento.

Por fim, o polêmico projeto Escola sem Partido requer dos professores neutralidade política e religiosa, o que deixou especialistas de cabelo em pé. Para ajudá-la a entender o que está em jogo, deciframos prós e contras dessas três propostas educacionais.

Base curricular

O que é

Relação dos saberes que o estudante deve dominar em cada etapa, das creches ao ensino médio. Depois de uma consulta pública que recebeu, em 2015 e 2016, 12 milhões de contribuições de educadores, pais e associações da sociedade civil, o Ministério da Educação (MEC) convidou pesquisadores, formadores de professores e representantes de associações de gestores públicos para elaborar o documento.

Ele vai atualizar e tornar mais claras as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1997. Os PCNs não eram obrigatórios, e a Base será. A versão final do texto foi enviada ao Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão ligado ao MEC, em abril, para análise. O CNE vai apresentá-la aos secretários de Educação, que o levarão aos professores da sua rede para que seja discutido. Estão previstas cinco audiências públicas, uma em cada região do país, de junho a setembro.

O que pode mudar 

A Base Nacional Comum Curricular pode influenciar a criação de outras políticas públicas ligadas, por exemplo, à formação e à carreira do professor – a longo prazo, espera-se que exerça impacto nos cursos de formação e de atualização profissional. Uma vez aprovada, deverá ser implementada em unidades públicas e particulares em até dois anos. Uma alteração esperada está no conteúdo de avaliações nacionais, como o Saeb e o Enem, e na produção de livros didáticos. De modo geral, hoje, eles seguem os PCNs e são analisados pelo MEC. A previsão é de que passem a ser escritos e avaliados usando a Base Nacional como referência.

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A medida também tem impacto direto na vida dos alunos e seus pais. Se o estudante trocar de escola, a continuidade dos conteúdos e das expectativas de aprendizagem tende a ser mais organizada. “A Base pode ser um parâmetro interessante para os pais entenderem o que é esperado de cada faixa etária”, afirma Célia Carolino, professora aposentada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e formadora de educadores.

Outra mudança importante é a antecipação da alfabetização: espera-se que, até o final do 2º ano do ensino fundamental, a criança já saiba ler e escrever, como ocorre em algumas redes públicas e nas escolas privadas. A Base será apenas o primeiro nível de materialização do currículo. Ou seja, é um documento mais amplo que vai funcionar como diretriz para redes e escolas elaborarem ou adequarem a própria programação.

Críticas 

Existem cerca de 190 mil unidades escolares pelo Brasil, entre públicas e particulares, e uma diversidade enorme de condições, o que pode dificultar muito a implementação ampla da Base. A proposta é especialmente importante em redes com problemas na formação de professores, o que nem sempre é fácil de solucionar. “Para que traga mudanças práticas, deve vir acompanhada de cursos de atualização dos profissionais”, explica Carlos Roberto Jamil Cury, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e um dos principais nomes em legislação educacional do país.

 

Reforma do Ensino Médio

O que é 

Um conjunto de diretrizes que flexibilizam e “enxugam” o currículo de escolas públicas e particulares. Apenas matemática, língua portuguesa e língua inglesa serão obrigatórias para todos os alunos durante os três anos do ensino médio (à exceção de contextos específicos, como comunidades indígenas) – hoje, existem 13 disciplinas obrigatórias.

Conhecimentos de filosofia, sociologia, arte e educação física continuarão obrigatórios, mas não estarão necessariamente contemplados como disciplinas autônomas. A Base dessa etapa, que ainda está sendo discutida, incluirá obrigatoriamente conteúdos dessas quatro áreas. No entanto, eles podem ser apenas temas transversais. Por exemplo, a arte e a filosofia de um determinado período histórico podem ser abordados pela disciplina de história. Já educação física será facultativa.

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Outro desdobramento dessa flexibilização é a instituição dos itinerários formativos: os alunos terão a oportunidade de escolher em qual área do conhecimento desejam se aprofundar. No texto aprovado pelo Senado, ficaram definidos cinco percursos possíveis: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Porém, as escolas não serão obrigadas a oferecer todos eles. O estudante poderá optar por mais de um itinerário caso a unidade o ofereça.

Também haverá alterações na carga horária. A atual é de 800 horas anuais (ou quatro horas diárias), cumpridas ao longo dos 200 dias letivos. A reforma prevê que, em até cinco anos, todas as escolas aumentem a carga diária em uma hora. Os professores não precisarão de formação na área de pedagogia. Poderão ser contratados profissionais de notório saber, ou seja, com experiência comprovada para ensinar sua disciplina.

O que pode mudar 

O processo de implementação do novo modelo é complexo e depende principalmente da finalização das discussões sobre a Base, no fim deste ano. Depois da aprovação, ainda será necessário adequar os currículos, formar os professores e rever todo o material didático, o que deve demorar quatro anos. “Precisamos elaborar programas de formação continuada dos educadores e definir um processo de transição em que os alunos possam usufruir da nova proposta de forma que ela traga, efetivamente, mais ganhos do que perdas”, diz Esther Carvalho, diretora-geral do Colégio Rio Branco, em São Paulo.

O vestibular também deve sofrer alterações. Hoje, ele pauta o currículo da maioria das escolas do país. Uma das principais queixas entre os gestores das instituições de ensino particular é a configuração do exame, considerado muito conteudista. “Se o Enem fosse uma avaliação única, teríamos condições de analisar os direitos de aprendizagem mínimos e não precisaríamos enfatizar os vestibulares”, diz Silvana Leporace, diretora-geral pedagógica do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo.

Críticas 

Uma controvérsia é sua instituição via medida provisória – o caráter de urgência para aprovação e implantação restringiu o debate. Diferentemente da Base, amplamente discutida, não passou por consulta pública. “Nem o modelo vigente nem o proposto dialogam com os interesses e necessidades dos jovens, pois eles não foram consultados sobre a reforma”, afirma Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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Outro ponto diz respeito aos itinerários formativos. Como cada rede ou escola pode defini-los, é possível que os estudantes não tenham tantas opções ou que não usem os melhores critérios para escolher. “Interesses são determinados pelas condições de vida e maturidade. Por isso, as instituições precisarão incentivar seus alunos a refletir sobre projeto de vida, que caminhos trilhar”, diz Leporace, do Dante.

Também se questiona o real alcance da reforma. “Sem mudanças fundamentais, como infraestrutura das escolas, redução do número de alunos por turma e valorização dos profissionais da educação, ela não surtirá o efeito desejado”, afirma Daniel Cara. O governo defende que as mudanças não exigirão recursos. Mas o especialista pontua que não será possível fazer alterações desse porte sem o investimento de recursos adicionais.

Escola sem partido

O que é 

É um programa criado para combater a doutrinação político-ideológica nas escolas e a interferência dos educadores sobre o direito dos pais de direcionar a educação moral de seus filhos. As principais propostas envolvem estímulo à criação de leis contra o que seria abuso na liberdade de ensinar e a garantia de que, ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, elas sejam apresentadas de forma imparcial.

Aos professores que burlarem a regra, seriam enviadas notificações extrajudiciais. A iniciativa tem inspirado uma série de projetos de lei pelo Brasil. Procurado, o advogado e procurador do Estado de São Paulo Miguel Nagib, criador do movimento, não quis conceder entrevista a CLAUDIA.

O que pode mudar 

Se transformada em lei, a proposta torna obrigatória, por exemplo, a fixação de um cartaz com os deveres do professor em todas as salas de aula. São cinco tópicos, que estabelecem, por exemplo, que o educador não deverá se aproveitar da audiência dos alunos para promover seus interesses, opiniões, concepções ideológicas, religiosas, morais ou partidárias.

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Críticas 

O movimento foi contestado pelo Ministério Público, associações de professores e até pela ONU, que alertou para o risco de censura à atividade docente. “Apesar do discurso de isenção, a proposta é conservadora e defende uma escola sem espaço paradiscussão”, afirma Cara. Tampouco há evidências concretas sobre o alcance da doutrinação ideológica alegada pelo movimento – aliás, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) já proíbe qualquer forma de proselitismo.

Ao propor restrições ou a omissão de discussões sobre sexualidade, por exemplo, a proposta vai na contramão do que ocorre em sistemas escolares de excelência. Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que, em países onde esse conteúdo é levado a sério, a idade de iniciação sexual é adiada entre dois e três anos, evitando gravidez precoce, DSTs e outros comportamentos vulneráveis.

Por fim, o relatório Competências para o Progresso Social, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), defende a importância do relacionamento confiável e de apoio entre pais e professores para o êxito de projetos educacionais.

Leia também: A reforma que as mulheres querem na Educação

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