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Câncer de colo de útero e casamento infantil: qual é a relação?

Precarização de hospitais, falta de informação e início precoce da vida sexual tornam o Norte, Nordeste e Centro-Oeste campeões na incidência da doença.

Por Débora Stevaux Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
7 abr 2017, 21h41

Somente no Brasil, 36% da população feminina se casou antes de completar 18 anos. Isso nos eleva ao primeiro lugar no triste ranking de casamentos infantis na América Latina, e quarto na escala mundial, segundo dados apresentados no estudo recente Fechando a Brecha: Melhorando a Proteção à Mulher contra a Violência, e divulgados pelo Banco Mundial, em março de 2017.

Mas o que essa informação tem a ver com o fato do câncer de colo de útero ser o terceiro que mais afeta mulheres no país, se não considerarmos o de pele? Segundo panorama exposto pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), a ocorrência da doença varia drasticamente entre as regiões: Norte ocupa o primeiro lugar, enquanto Nordeste e Centro-Oeste estão na segunda posição. Não por um acaso, os matrimônios com garotas menores de idade são mais recorrentes nestas regiões, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Promundo em setembro de 2015, nos estados do Pará e Maranhão: 65 709 de meninas de 10 a 14 anos afirmaram serem casadas.

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Exceção entre os tipos de cânceres, o que afeta o colo de útero é causado por um vírus sexualmente transmissível, denominado HPV. Porém, assim como as outras variações da enfermidade, a doença não apresenta sintomas significativos durante o estágio inicial. “O corrimento em água de carne, como é comumente chamada a secreção vaginal fétida, é um dos sinais que apenas surgem na fase mais tardia, quando a possibilidade de cura já é bastante reduzida”, esclarece o Dr. José Carlos Torres, professor do Centro Integral da Saúde da Unicamp e mastologista e ginecologista oncológico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

A melhor forma de evitar o desenvolvimento do câncer é através da vacina de HPV que, para alcançar o índice máximo de imunização, deve ser aplicada antes do início da vida sexual feminina. O medicamento é disponibilizado gratuitamente nos hospitais e postos de saúde da rede pública para garotas com idades entre 9 a 13 anos. “São recomendadas duas doses, a primeira nesta faixa etária e a segunda entre seis meses a um ano depois. Eventualmente, orientamos a paciente a tomar a terceira dose depois de alguns anos”, explica o Dr. que acrescenta: “A camisinha é a segunda melhor maneira de se proteger, mas não é capaz de impedir todas as infecções deste microvírus, ou seja, reduz as possibilidades, mas não as anula.”

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Porém, a questão não se resume somente à vacinação, que muitas vezes tem uma disponibilidade imensamente maior em alguns estados brasileiros do que em outros, mas também ao acesso à informação. “O fator mais preocupante em relação à doença é que o câncer de colo é uma neoplasia que na sua forma mais avançada tem uma alta letalidade. E muitos familiares não têm sequer noção disso. Nas primeiras campanhas idealizadas pelo Ministério da Saúde, a taxa de meninas que receberam a medicação era inferior a 40%. Então, começamos a perceber que essa resistência toda por parte da população era, na realidade, arraigada em conceitos tradicionais religiosos e machistas de que se eles permitissem que as garotas tomassem a dose, estariam ‘outorgando’ ou incentivando o início precoce de suas vidas sexuais”, completa o Dr. Torres.

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Outro motivo que também afeta diretamente a alta incidência de casos de câncer de colo de útero nessas regiões é a dificuldade de locomoção e o número reduzido de postos de saúde. “A principal maneira de identificar a patologia é através do papanicolau, um exame simples que na maioria dos hospitais é possível de ser realizado devido às condições precárias das unidades. O início precoce da atividade sexual também é uma das problemáticas que deve ser levada em conta, porque, nesse caso, o sistema reprodutor feminino ainda está se desenvolvendo, e não possui os seus mecanismos de defesa completamente formados”, explica.

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A doença demora, em média, uma década para se desenvolver, apresentando um maior número de vítimas com a faixa etária entre 45 e 50 anos, que descobriram o diagnóstico em estágio avançado. “A nossa grande arma é a identificação precoce. Tanto é que nos dois primeiros estágios iniciais, a probabilidade de cura é de 80 a 90%. Já nos dois últimos, as taxas apresentam uma redução significativa para menos de 60%”, diz o ginecologista. Hoje, com o avanço tecnológico nos procedimentos minimamente invasivos, as chances de sucesso absoluto no tratamento são enormes. “A cirurgia robótica é um exemplo, pois possibilita a retirada parcial do colo uterino, preservando a parte necessária para a gravidez. Caso a doença seja descoberta cedo, o tripé oncológico cirurgia, quimioterapia e radioterapia tem chances altíssimas de ter grande êxito.”

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O câncer de colo de útero está mais associado a fatores socioeconômicos e culturais do que puramente a uma simples questão de saúde. “Não é mera coincidência que países e regiões pobres, com forte influência de valores retrógrados, estejam no topo de rankings que avaliam a incidência da enfermidade. Geralmente, nesses locais as mulheres não têm conhecimento do próprio corpo e de informações fundamentais para mantê-lo saudável, ou por falta de oportunidade, ou até mesmo por vergonha de procurar um médico. Por isso é imprescindível a idealização e manutenção de programas preventivos de educação sexual para os adolescentes. É muito triste você pensar que essas mulheres estão fadadas a adoecer porque não têm escolha e informação sobre elas mesmas”, finaliza o Dr. Torres.

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