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A perigosa obsessão por comida saudável

O incentivo ao rigor na alimentação dá a tônica a alguns dos perfis mais incensados das redes sociais. O exagero, no entanto, pode ter o efeito oposto e colocar em risco a saúde. Cada vez mais frequentes, os casos de ortorexia nervosa preocupam especialistas

Por Cristina Nabuco (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 14h38 - Publicado em 31 jan 2016, 07h00

“A primeira vez que pus um biquíni e vi minha barriga chapada fiquei tão orgulhosa que decidi continuar fazendo todo esforço possível para ser saudável”, lembra a americana Kaila Prins, 29 anos, de San Jose, Califórnia. Em entrevista a CLAUDIA, essa profissional de marketing que mantém um blog sobre transtornos alimentares, In My Skinny Genes (Em Meus Genes Magros, em tradução livre), contou como enfrentou a ortorexia nervosa. O termo vem de orto, que significa correto, e orexis, apetite, e se refere à preocupação exagerada com alimentação saudável. Apesar de não ser uma doença oficial, descrita nos manuais médicos, tem sido vista com frequência nos consultórios.

O problema de Kaila iniciou-se em 2001, quando, aos 13 anos, ela teve uma reação alérgica nas pernas. Alertada pela mãe de que poderia ser por causa da soja, parou de consumir o grão. “Comecei a ler rótulos e percebi que a maioria dos produtos industrializados trazia esse ingrediente. Daí, decidi cortar aquela ‘comida lixo’ e preparar minhas refeições saudáveis. Paralelamente, passei a fazer exercícios físicos. Emagreci tanto que cheguei a 43,9 quilos (para 1,62 metro de altura).”

Pessoas com ortorexia nervosa excluem do prato alimentos considerados impuros por conter agrotóxicos, conservantes, corantes, gordura trans, gordura, açúcar e, mais recentemente, glúten e lactose – muitas vezes sem ter a intolerância comprovada. Também é comum desenvolverem rituais quanto à forma de preparo e aos utensílios utilizados. “Com isso, a dieta fica limitada, monótona e pobre em nutrientes. Não há uma substituição adequada do que foi excluído”, explica a médica e nutróloga Maria Del Rosario Zariategui, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia.

À medida que restringia a alimentação, Kaila intensificava a rotina de treinamento. No ensino médio, tinha sido capitã do time de cross country (um tipo de corrida em grupo) e, na época da faculdade, além de correr 3 quilômetros toda manhã, ia para a academia, onde levantava peso e fazia mais atividade aeróbica. Sua alimentação compunha-se apenas de aveia, brócolis, feijão-preto, duas maçãs e dois bolinhos de arroz. “Muita gente vinha me cumprimentar por minha força de vontade. Eu realmente achava que estava fazendo a coisa certa.”

Esse é o grande complicador: o limite entre o cuidado sadio com a qualidade de vida e a ortorexia é tênue. Por estar atrelada a uma argumentação de bem-estar, ela pode passar despercebida, alerta o psiquiatra Marcelo Papelbaum, do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas há um diferencial importante: “Ainda que o zelo com as refeições consuma muito tempo e energia, o resultado é uma alimentação caótica, baseada em crenças que nem sempre têm fundamentação científica”.

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Em 2009, por influência de um namorado, Kaila introduziu proteínas no cardápio, como suplementos à base de soro do leite e caseína, peito de frango e peru grelhado, queijo cottage e iogurte grego. “Fiquei magra, com músculos definidos e mais obcecada por dieta e exercícios.” Os impactos negativos começaram a aparecer. Um amigo a levou a uma pizzaria e depois ao teatro. Kaila comeu apenas um pedaço de pizza e passou o espetáculo inteiro se culpando por não ter resistido à tentação. “Você sente o medo, cada vez mais forte, de que um deslize estrague tudo. Orienta-se por um senso de justiça moral que se manifesta pela crença de estar literalmente afastando a morte ao abolir ‘alimentos sujos’. Essa se torna sua identidade, sua consciência.”

A essa altura, Kaila já não menstruava, estava com ossos frágeis e arritmia cardíaca. Abandonou o mestrado por não conseguir se concentrar nos estudos. E foi se fechando cada vez mais. O isolamento social é outra pista relevante de que algo está errado, diz a nutricionista Adriana Kachani, voluntária do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Para não sair da dieta, a pessoa abre mão de confraternizações e festas familiares ou vai e leva a própria marmita.” Esquece que a alimentação precisa ser variada e equilibrada e não se resume à ingestão correta de nutrientes. Como destaca o Guia Alimentar para a População Brasileira, de 2014: “As dimensões culturais e sociais das refeições também influenciam a saúde e o bem-estar”.

Deprimida, Kaila tentou o suicídio. Voltou para a casa da mãe e começou terapia. “Percebi que a ansiedade me prendia a esse padrão de ‘comida limpa’, mas não sabia como parar.” Até que se deparou com o livro Health Food Junkies (“O vício em comida saudável”, sem tradução no Brasil), do médico americano Steven Bratman, que cunhou o termo ortorexia em 1997. “Li de ponta a ponta. Então compreendi que, se continuasse ‘saudável’ daquele jeito, poderia morrer. Foi a primeira grande faísca que acendeu em mim a chama da recuperação”, conta Kaila. Ela procurou auxílio. O tratamento deve ser feito por uma equipe multidisciplinar especializada em transtornos alimentares.

Aos 29 anos, Kaila ainda se preocupa em fazer escolhas saudáveis à mesa, mas sem exageros. “Como de tudo, não conto calorias nem pergunto que óleo foi usado no preparo. Quando vou a restaurantes com amigos, não fico pensando em reforçar a malhação ou limitar as refeições para compensar no dia seguinte. Hoje sou mais feliz e saudável do que em qualquer outra época. Encontrei uma vida além da comida.”

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