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Sama Mendes conta como se livrou do trabalho escravo: “Recebia apenas 100 reais por mês como salário.”

A comerciante de 21 anos superou seu drama pessoal graças ao emprenho da auditora fiscal do trabalho Marinalva Dantas, que já libertou 2,3 mil pessoas em condições análogas à escravatura em fazendas brasileiras.

Por Giuliana Bergamo (colaboradora)
Atualizado em 22 out 2016, 19h23 - Publicado em 13 out 2016, 13h10

Comecei a trabalhar aos 13 anos, em um lojinha de roupas, acessórios e perfumaria em Envira, cidade do interior do Amazonas, onde nasci e vivia com minha mãe e meus dois irmãos. A dona era conhecida da minha família. Depois de um tempo, o cunhado dela fez uma proposta para que eu me mudasse para a casa da família em Natal para cuidar da mãe dele. 

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Quando a conheci, ela tinha 92 anos e muitas dificuldades. Enquanto morasse lá, me disseram, poderia estudar e ter mais oportunidades, já que na minha cidade não havia faculdade nem muitas opções de emprego. Na época, eu tinha 14 anos e não fazia ideia de que aquela atividade era irregular. Afinal, em nossa comunidade é muito comum começar a trabalhar cedo, sem registro na carteira e com um salário bem baixo. É o que todo mundo faz para ajudar em casa. Aceitei a proposta e me mudei para a capital do Rio Grande do Norte.

Foi uma viagem longa. Para sair de Envira, meu novo patrão alugou um avião do tipo teco-teco e voamos até Rio Branco. Uma alternativa seria esperar um voo do governo, mas nunca se sabe quando ele sai. Pode demorar muito. Passamos, então, alguns dias em Rio Branco e, depois, seguimos de avião comercial para Natal. Mas foi um pinga-pinga danado, parando em tudo quanto é lugar para pagar uma passagem mais barata.

Quando chegamos, fui matriculada (no 9o ano do ensino fundamental) em uma escola que ficava a poucas quadras de onde morávamos. Tinha que estudar perto para que a senhora não ficasse sozinha por muito tempo. Pela manhã, fazia o serviço doméstico, à tarde ia para a escola e depois voltava para o trabalho. Frequentar as aulas era minha única atividade fora de casa.

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Foi um período muito duro. A senhora de quem eu cuidava nunca me respeitou. Eu fazia tudo o que ela queria, mas nunca estava satisfeita. Brigava comigo e com o filho, me xingava… O ambiente era bem estressante e sempre sobrava para mim. Além disso, eu sentia muita saudade de casa, da minha mãe e dos meus irmãos. Como não tinha outros amigos, passei um ano e meio sem falar com quase ninguém.

Recebia apenas 100 reais por mês como salário, sem carteira assinada. Meu patrão dizia que estava sem dinheiro para dar mais, pois, por ter pago minha passagem, acabou ficando com o orçamento apertado. Ganhei esse valor por cerca de um ano, até que minha antiga patroa, que se preocupava comigo por ser amiga da minha mãe, disse que estava na hora de eu frequentar um curso. Fui fazer aulas de informática às sextas-feiras, o que custava 72 reais por mês. Para bancar a mensalidade, eles passaram a me pagar 200 reais de salário.

A situação piorou quando completei 17 anos e fiquei mais entrosada na cidade. Conheci pessoas, fiz amigos e comecei a passear. Meus patrões não gostaram nada do meu novo comportamento. Queriam me obrigar a ficar em casa – até então, só podia sair com eles. Certa vez, voltei de uma festa muito tarde e, na manhã seguinte, eles me levaram para o conselho tutelar. Achavam que eu é que estava errada. Depois de ouvir meu relato e me chamar mais algumas vezes para depor, o funcionário encaminhou meu caso para o Ministério do Trabalho. Meu patrão recebeu, então, a visita da auditora fiscal Marinalva Dantas, que foi verificar as condições em que eu morava e trabalhava. Na ocasião, eu estava na escola. Só a conheci dias depois, quando nos chamou para falar pessoalmente.

Assim fiquei sabendo que eu realizava um trabalho irregular. Graças a ela, entrei no programa Jovem Aprendiz e consegui um emprego formal para trabalhar por meio período em uma loja de materiais de construção. Minha carteira foi assinada, passei a receber meio salário mínimo e continuei estudando. Meu ex-patrão teve de me pagar uma indenização no valor de 3,5 mil reais. Mas o melhor de tudo foi, finalmente, poder conquistar minha liberdade e ir aonde bem entendesse.

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Como fiquei sem lugar para morar, a mãe de um amigo me convidou para viver com eles sem pagar aluguel. Permaneci em Natal até um ano atrás, quando minha mãe mudou-se para Manaus e pude ir viver com ela. Juntas, abrimos uma lanchonete. Concluí o ensino médio, estou namorando e, daqui a dois meses, nasce meu primeiro filho.”

Pablo Saborido
Pablo Saborido ()

Eleita na categoria Políticas Públicas, a auditora fiscal do trabalho Marinalva Dantas já libertou 2,3 mil pessoas que viviam como escravas em fazendas brasileiras. Atualmente ela combate o uso irregular de mão de obra infantil. Saiba quais foram as vencedoras da 21ª edição do Prêmio CLAUDIA 2016

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