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Paulo Coelho: “Trair no casamento é fingir amor”

O escritor apresenta um romance picante sobre o sexo fora do casamento: uma jornalista se lança na busca do prazer, algo que está muito além da sua rotina de casada. A seguir, cinco perguntas para o autor e mais um trecho inédito do livro

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 out 2016, 03h01 - Publicado em 13 jul 2014, 22h00

O novo livro do mago, Adultério (Sextante), começa pela dualidade. No recolhimento, uma súplica dele por proteção: “Ó, Maria, concebida sem pecado, rogai por nós, que recorremos a vós. Amém”. Em seguida, um vigoroso empurrão para o risco, a aventura, o deleite vindo do Evangelho de Lucas: “Vá para onde as águas são mais fundas”. No romance de Paulo Coelho, Linda vai. Ela ama o marido – um investidor entre os mais ricos da Suíça, país seguro e afável -, é jornalista e mãe irretocável. Tudo na sua vida se liga ao paradisíaco, ao luxuoso, mas, na mesmice, ela se pergunta: “É isso?”

Um entrevistado havia lhe tirado o sossego ao dizer que não se interessava em ser feliz, preferia viver apaixonado, o que, para ele, era um perigo, por nunca saber o que encontraria pela frente. Linda fica inquieta, porém predisposta a quebrar a monotonia de quem, aos 31 anos, parecia ter achado tudo o que se espera da existência. O reencontro com o namorado do tempo do colégio, Jacob, acaba provando que a vida pode ser bem mais quente e palpitante fora do quadrado. Ela vai a Jacob em busca de informações políticas para uma reportagem e, beijada, nota que será impossível permanecer na relação apenas como profissional fria e distante, como se vê no trecho que publicamos aqui.

Quem acompanha Coelho perceberá uma escrita erótica, visceral, entregue a fortes emoções, como a primeira experiência de Linda com o sexo anal, que a deixa fora do sério. Autor de 27 títulos, publicados no mundo todo, premiado, imortal da Academia Brasileira de Letras, ele revelou nas redes sociais o tema do novo trabalho para sondar a opinião dos internautas, seus seguidores. Os homens sugeriram mudar o título para que as mulheres não deixassem de comprar Adultério, com medo do que os maridos iriam pensar. Coelho riu e decidiu não acatar o desejo masculino. “Respondi que minhas leitoras são bastante maduras e que os maridos teriam vontade de ler também”, disse. O livro começou a ser produzido em novembro, em Genebra, chega ao Brasil no dia 12 deste mês e, logo depois, a outros 11 países, incluindo Turquia e Israel. O mago pode estar começando nova fase na carreira literária, desta vez mais carnal. Veja a nossa conversa com ele.

1. Por que mergulhou no universo do adultério?

Eu tinha visto um filme sobre o Relatório Kinsey, publicado nos anos 1950, que mostrava o comportamento sexual das pessoas. Kinsey entrevistou muitos americanos na época e o resultado desse trabalho produziu uma ótima consequência: fez com que os leitores tivessem menos culpa de tudo que envolvesse o sexo, como masturbação, certas posições sexuais e por aí vai. Foi uma coisa muito boa para a humanidade. Então, resolvi perguntar aos meus leitores qual era exatamente o tema que mais os deixava agoniados. Eu acreditava que a resposta seria depressão. Fiquei bastante surpreso ao perceber que, assim como há mais de 60 anos, a principal questão ainda era: “Por que as pessoas traem?” Decidi entrar anonimamente nos fóruns de adultério e escutar o que as pessoas diziam sobre o assunto. Eu não pensava em escrever esse livro, queria fazer um post em um blog. Mas a coisa foi ficando tão rica, tão rica, que o post se transformou em um livro. Era como se o tema estivesse ali no ar esperando para ser discutido abertamente.

2. Para escrever, você observou mulheres que traíam? Ouviu relatos delas?

Tanto as mulheres quanto os homens falam muito sobre a traição. Mas o que mais chamou a minha atenção foi a quantidade de relatos de pessoas que se sentiram traídas.

3. A personagem, uma jornalista independente, vive a emoção do sexo fora do casamento cheia de culpa. Supôs até que os colegas pudessem ver vestígios no seu rosto e na sua roupa. Para a mulher, ainda é difícil trair e separar amor do sexo?

A traição dessa história não é pela relação sexual. O adultério envolve o lado emocional. O sexo em si, puro e simples, não tem todas as fantasias do sexo que envolve amor e paixão. E o que acontece com a personagem principal é que ela já está meio triste, entediada, sem ver graça alguma na vida. Eu não creio que no caso da Linda – ou das pessoas que ouvi e com quem conversei – o simples fato de ter uma relação sexual resolvesse qualquer coisa. Para isso, bastaria se masturbar ou ter uma relação com o próprio marido. A questão ali vai muito além, é uma aventura completa. É ela que está no conteúdo do livro.

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4. Você acredita que a monogamia seja uma imposição com data de validade e logo vai acabar perdendo o seu valor?

Eu não acho que a monogamia seja uma imposição com data de validade. A monogamia, em princípio, é uma coisa muito difícil, mas é uma opção. É uma escolha. E é isso que dá beleza ao casamento, a uma relação entre duas pessoas. Uma escolha cheia de definições e decisões, que faz com que não exista sacrifício, mas, sim, uma entrega. Há uma grande diferença entre você deixar de fazer alguma coisa ou entregar-se a uma proposta que você fez na vida. O dilema ocorre com a personagem principal.

5. O que é, afinal, traição no casamento? Ter alegria com outro homem é trair?

Trair no casamento é fingir amor. Nada na vida compensa essa situação. É uma fonte de profunda tristeza para as pessoas quando eventualmente se finge um amor que não existe. Eu definiria a traição no casamento como “fingir amor”.

 

Paulo Coelho: "Trair no casamento é fingir amor"

Divulgação

Leia abaixo trecho inédito da obra:

Escuto informações que não pedi sobre programas do governo. Faço perguntas para constrangê-lo, mas ele se esquiva com elegância. É um ano mais novo que eu, portanto deve ter 30 anos, embora pareça 35. Guardo essa observação para mim mesma.

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Claro que gostei de revê-lo, embora até o momento ele não tenha me perguntado o que aconteceu com minha vida desde que cada um seguiu seu caminho após a formatura. Está concentrado em si, na carreira, no futuro, enquanto eu me pego bobamente olhando para o passado, como se ainda fosse a adolescente com aparelho nos dentes e mesmo assim invejada pelas outras garotas.

Depois de algum tempo, paro de escutá-lo e entro no piloto automático. Sempre o mesmo roteiro, os mesmos assuntos – reduzir os impostos, combater a criminalidade, controlar melhor a entrada dos franceses (chamados de “fronteiriços”), que ocupam vagas de emprego que caberiam aos suíços. Entra ano, sai ano, os temas continuam os mesmos e os problemas seguem sem solução, porque ninguém se interessa de verdade por isso.

Depois de 20 minutos de conversa, começo a me perguntar se tamanho desinteresse é consequência da minha estranha condição no momento. Mas não. Não há nada mais entediante do que entrevistar políticos. Teria sido melhor se tivessem me mandado cobrir um crime. Assassinos são bem mais autênticos.

E, comparados aos representantes do povo em qualquer outro lugar do planeta, os nossos são os menos interessantes e mais insípidos. Ninguém quer saber da vida particular deles. Só duas coisas podem resultar em escândalo: corrupção e drogas. Aí o caso ganha proporções gigantescas e rende mais do que deveria pela absoluta falta de assunto dos jornais.

Mas quem quer saber se eles têm amantes, frequentam bordéis ou decidiram assumir sua homossexualidade? Ninguém. Continuem fazendo aquilo para o que foram eleitos, não estourem o orçamento público e viveremos todos em paz.

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O presidente do país muda todo ano (isso mesmo, todo ano) e não é escolhido pelo povo, mas pelo Conselho Federal, entidade formada por sete ministros que exerce a chefia de Estado da Suíça. Por outro lado, cada vez que passo em frente ao Museu de Belas-Artes, vejo propagandas de novos plebiscitos.

A população adora decidir tudo – cor dos sacos de lixo (ganhou o preto), permissão para porte de armas (a maioria esmagadora aprovou, e a Suíça é o país com mais armas per capita do mundo), número de minaretes que podem ser construídos em todo o país (quatro), asilo a expatriados (não acompanhei, mas imagino que a lei tenha sido aprovada e já esteja em vigor).

– Senhor Jacob König.

Já fomos interrompidos uma vez. Com delicadeza ele pede que seu assessor adie o próximo compromisso. Meu jornal é o mais importante da Suíça francesa e a entrevista pode ser um divisor de águas para as próximas eleições.

Ele finge que me convence e eu finjo que acredito.

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Mas já estou satisfeita. Levantome, agradeço e digo que já tenho todo o material de que preciso.

– Não falta nada?

Claro que falta. Mas não cabe a mim dizer o quê.

– Que tal nos encontrarmos depois do expediente?

Explico que preciso buscar meus filhos no colégio. Espero que ele tenha visto a aliança de ouro maciço em meu dedo, dizendo: “O que passou passou”.

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– Certo, então que tal almoçarmos qualquer dia?

Concordo. Eu me engano com muita facilidade e digo a mim mesma: quem sabe ele não tem algo realmente importante a me dizer, um segredo de Estado, alguma coisa que mudará a política do país e me fará ser vista com outros olhos pelo redator-chefe do jornal?

Ele vai até a porta, tranca-a, volta para junto de mim e me beija. Correspondo, porque já faz muito tempo desde que fizemos isso pela última vez. Jacob, que eu talvez pudesse ter amado um dia, agora é um homem de família, casado com uma professora. E eu, uma mulher de família, casada com um herdeiro rico, porém trabalhador.

Penso em empurrá-lo e dizer que não somos mais crianças, mas estou gostando. Não apenas descobri um novo restaurante japonês como estou fazendo algo errado. Consegui transgredir as regras e o mundo não desabou na minha cabeça! Faz tempo que não me sinto tão feliz assim.

A cada instante me sinto melhor, mais corajosa, mais livre. Então faço algo que sempre sonhei, desde os tempos de escola.

Ajoelho-me no chão, abro o zíper de sua calça e começo a lamber seu sexo. Ele segura meus cabelos e controla o ritmo. Goza em menos de um minuto.

– Que delícia!

Não respondo. A verdade, porém, é que foi muito melhor para mim do que para ele, que teve uma ejaculação precoce.

Depois do pecado, o medo de ser pega pelo crime cometido.

No caminho de volta para o jornal compro escova e pasta de dentes. A cada meia hora vou ao banheiro da redação para ver se não existe nenhuma marca no rosto ou na blusa Versace cheia de bordados intricados, perfeitos para guardar vestígios. Pelo canto dos olhos observo meus colegas de trabalho, mas nenhum deles (ou nenhuma delas – as mulheres têm sempre uma espécie de radar especial para esses detalhes) notou qualquer coisa.

Por que aquilo aconteceu? Parecia que outra pessoa tinha me dominado e me empurrado para aquela situação mecânica, que nada tinha de erótica. Será que eu queria provar a Jacob que sou uma mulher independente, livre, dona do próprio nariz? Eu tinha feito aquilo para impressioná-lo ou para tentar fugir do que minha amiga chamara de “inferno”?

Tudo vai continuar como antes. Não estou numa encruzilhada. Sei para onde ir e espero que, com o passar dos anos, eu consiga fazer com que minha família mude de direção para não acabarmos achando que lavar o carro é algo extraordinário. As grandes mudanças acontecem com o tempo – e isso eu tenho de sobra.

Pelo menos é o que espero.

Chego em casa procurando não demonstrar felicidade nem tristeza. O que imediatamente chama a atenção das crianças.

– Mamãe, você está meio esquisita hoje.

Tenho vontade de dizer: estou mesmo, porque fiz algo que não deveria e mesmo assim não me sinto nem um pouco culpada, apenas tenho medo de ser descoberta.

Meu marido chega e, como sempre, me dá um beijo, pergunta como foi meu dia e o que teremos para o jantar. Eu dou as respostas a que ele está acostumado. Se não notar nada de diferente na rotina, não suspeitará que hoje à tarde fiz sexo oral em um político.

O que, por sinal, não me rendeu o menor prazer físico. E agora estou louca de desejo, precisando de um homem, de muitos beijos, de sentir a dor e o prazer de um corpo sobre o meu.

Quando subimos para o quarto, percebo que estou completamente excitada, doida para fazer amor com meu marido. Mas preciso ir com calma – nada de exageros, ou ele pode desconfiar.

Tomo um banho, deito-me a seu lado, tiro o tablet de sua mão e o coloco na mesinha de cabeceira. Começo a acariciar seu peito e ele logo fica excitado. Transamos como havia muito tempo não fazíamos. Quando gemo um pouco mais alto, ele pede que me controle para não acordar as crianças, mas digo que estou farta desse comentário e quero poder expressar o que sinto.

Tenho orgasmos múltiplos. Meu Deus, como amo este homem que está ao meu lado! Terminamos exaustos e suados, por isso decido tomar outro banho. Ele me acompanha e brinca colocando o chuveirinho no meu sexo. Eu lhe peço que pare, pois estou cansada, precisamos dormir e desse jeito ele vai acabar me excitando de novo.

Enquanto enxugamos um ao outro, num surto de tentar mudar a todo custo meu modo de encarar os dias, peço que me leve a uma boate. Acho que neste momento ele desconfia de que há alguma coisa diferente.

– Amanhã?

– Amanhã não posso, tenho aula de ioga.

– Já que você tocou no assunto, posso fazer uma pergunta bastante direta?

Meu coração para. Ele continua:

– Por que exatamente você está fazendo ioga? É uma mulher tão calma, em harmonia consigo mesma e que sabe muito bem o que quer. Não acha que está perdendo tempo?

Meu coração volta a bater. Não respondo. Limito-me a sorrir e afagar seu rosto.

Caio na cama, fecho os olhos e penso antes de dormir: devo estar atravessando alguma crise típica de quem está casada há tanto tempo. Vai passar.

Nem todo mundo precisa ser feliz o tempo todo. Aliás, ninguém consegue isso. É preciso aprender a lidar com a realidade da vida.

Querida depressão, não se aproxime. Não seja desagradável. Vá atrás de outros que têm mais motivos do que eu para olhar você no espelho e dizer: “Que vida inútil”. Querendo você ou não, sei como derrotá-la.

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