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“Ainda hoje, infelizmente, pensam que política não é lugar de mulher”, diz Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão

CLAUDIA lança uma série especial para discutir as recentes mudanças no eixo governamental com relação aos direitos femininos e representatividade das mulheres na política. Confira a entrevista com Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão

Por Isabella Marinelli
Atualizado em 28 out 2016, 12h33 - Publicado em 29 jun 2016, 17h13

Para discutir as recentes mudanças no eixo governamental com relação aos direitos femininos e representatividade política, CLAUDIA procurou mulheres que participam ativamente da democracia, são formadoras de opinião e militam pelas questões de gênero. 

Estruturamos o debate com base em quatro questões padrões e as mesmas perguntas foram levadas a diversas especialistas escolhidas a dedo. Como resultado, lançamos a série Mulheres na Política, que reúne todos esses pontos de vista. 

A entrevista que continua nossa sequência é Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão. Leia abaixo, na íntegra:

1. O ranking “Abismo de Gênero”, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em 2014, apontou, em seu último relatório, que o Brasil caiu 9 posições no ranking em relação ao ano anterior e ocupa a 71ª colocação na lista. Ficamos atrás de países como Nicarágua, Ruanda, Moçambique e Cuba. Quais são, na sua opinião, os avanços que as mulheres alcançaram no governo anterior? E os retrocessos?

Jacira Melo: A posição do Brasil no ranking do Fórum Econômico Mundial tem muito a ver com a baixa representação das mulheres brasileiras na política. O Brasil é o penúltimo país da América Latina quando o tema é a presença feminina no parlamento. Na atual legislatura (2015-2018), as mulheres são 10% no total de 513 parlamentares na Câmara Federal. Embora sejam inegáveis a força e a importância das mulheres em todos os setores da sociedade brasileira, o país ocupa uma posição vergonhosa em termos de representação feminina parlamentar, muito atrás de nações como Argentina 36%, Bolívia 25%, Peru 22%, Chile 15%, Paraguai 15% e Uruguai 13%. A tendência é que a taxa brasileira caia mais posições com a ausência de mulheres no ministério do governo Temer. 

Em relação aos retrocessos, a grande diferença entre o governo da presidenta Dilma em relação ao governo interino de Temer é que o governo Dilma compreende que igualdade de gênero, igualdade nas relações raciais e na diversidade sexual fazem parte de um ideal de liberdade, ideal civilizatório e deve compreender todas as dimensões de um governo democrático.

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2. O primeiro anúncio da alta cúpula de Temer não tinha mulheres. No entanto, sob fortes críticas, ele se apressou em fazer contratações de peso, como Maria Sílvia Bastos Marques, para presidir o BNDES, e Flávia Piovesan, para a Secretaria de Direitos Humanos. Esse é um bom sinal ou apenas um remendo frouxo?

JM: Na minha avaliação, o governo Temer não imaginava que a composição de seu ministério somente por homens e brancos teria a forte e intensa repercussão negativa que teve na imprensa nacional e internacional. As nomeações de Flávia Piovesan e Maria Sílvia sem dúvida são um sinal de que o governo sentiu o peso da crítica, mas não creio que é um sinal de mudança de perspectiva. Temer a cada dia se revela mais conservador do que se podia imaginar em relação a questões do Brasil contemporâneo. É um governo que, em pleno século 21, demonstra não compreender que liberdade e diversidade precisam acontecer simultaneamente no campo social, ambiental, político, econômico e individual para acontecer simultaneamente o progresso, o desenvolvimento.

3. O Brasil tem apenas 9% de mulheres em cargos legislativos. O sistema de cotas seria a solução para chegar à paridade?

JM: Com relação à Lei de cota, nas eleições municipais de 2012 houve um aumento no número de candidatas mulheres a vereadoras. Foi a primeira eleição no país em que os partidos preencheram a cota de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo. Contribuiu para essa mudança de atitude dos partidos a rigorosa fiscalização das Procuradorias Regionais Eleitorais para o preenchimento das cotas previstas pela Lei nº 9.504/1997. Contudo, o aumento no número e na proporção de candidatas nas eleições de 2012 não se refletiu no aumento do número de mulheres eleitas. As candidatas sem apoio efetivo dos partidos acabaram exercendo o papel de candidatas figurantes nas eleições.

Os partidos tendem a ser espaços hierarquizados, caracterizados pela formação de grupos políticos, e que operam em uma lógica masculina de poder. Isso significa dizer que a desigualdade de gênero é algo institucionalizado no espaço partidário. Ainda hoje, nos partidos, o pensamento dominante é que política não é lugar de mulher.

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Essa visão tem a ver com a construção cultural secular de que o lugar de pertencimento das mulheres é o espaço privado e o dos homens é o espaço público. E aqui vale ressaltar: a política é o lugar público por excelência.

A difícil participação das mulheres na política partidária é um reflexo da injusta divisão sexual do trabalho. Isto é, mesmo respondendo hoje por 48% da força de trabalho no país, as mulheres continuam como principais responsáveis pelo trabalho doméstico, os cuidados com a casa, os filhos e idosos. A desigualdade entre homens e mulheres no ambiente familiar gera uma sobrecarga sobre as mulheres que contribui pesadamente para que elas se mantenham distante da prática política partidária.  
Sem mudanças no sistema eleitoral, em 2016 haverá nos mais de 5.600 municípios um exército de candidatas trabalhando por votos que no seu conjunto acabam contribuindo significativamente para a eleição de candidatos homens.

4. Dilma Rousseff alegou, em seu discurso no “Encontro com Mulheres em Defesa da Democracia” que “O fato de ser mulher teve influência na abertura do meu processo de impeachment.” Você concorda que o sexismo influenciou nas decisões do Congresso e do Senado?

JM: Na abertura da 4ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em seu último discurso oficial como presidente da república antes de ser afastada do cargo, a presidenta Dilma Rousseff disse que “a história ainda vai dizer quanto de violência contra a mulher, quanto de preconceito contra a mulher tem nesse processo de impeachment golpista.” Concordo plenamente com essa percepção, evidente também no conteúdo de muitas das críticas feitas à presidenta com conteúdo sexual. Como o abominável adesivo para carros no qual ela aparecia com as pernas abertas, simulando um estupro. Outro exemplo é o fato do vice ter editado 6 decretos das chamadas pedaladas sem que por isso tenha sido afastado, como aconteceu com a Dilma.
 

*Arte: Elisa Zaia/CLAUDIA

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