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Burburinho, polêmica e reflexão. Jornalista e editora digital de CLAUDIA, Júlia Warken foca o olhar em questões contemporâneas que inquietam as mulheres.
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Tudo o que há por trás da emancipação fantabulosa de ‘Aves de Rapina’

Margot Robbie está de volta - e ótima - em um filme ousado, divertido e cheio de significado.

Por Júlia Warken, Guta Nascimento, thiagoabril
Atualizado em 6 fev 2020, 18h06 - Publicado em 6 fev 2020, 17h52

“Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa”. Esse é o (enorme!) nome da produção que abre a concorrida temporada de filmes de HQ em 2020. Nos cinemas a partir dessa quinta-feira (6), o longa sempre gerou incertezas – por mais de uma razão. Em primeiro lugar, porque a Arlequina de Margot Robbie foi apresentada ao público em um filme massacrado pelo público e pela crítica: “Esquadrão Suicida”, de 2016. Mas o ponto mais fora da curva é, na verdade, a temática – que trata de emancipação feminina.

A parceria entre Warner e DC Comics rendeu uma série de filmes desastrosos na última década, por mais que tenha no catálogo heróis de peso como Batman e Super-Homem. Enquanto isso, a Marvel transformou os bem menos conhecidos Vingadores em um fenômeno sem precedentes. O positivo efeito colateral dessa má reputação é uma maior liberdade para ousar nos filmes lançados. “Mulher-Maravilha” inaugurou esse fenômeno (protagonista feminina e uma diretora mulher sem qualquer experiência no gênero de ação), seguida por “Coringa” (o filme de HQ mais artístico e sério de todos os tempos) e agora temos “Aves de Rapina” ousando mais uma vez.

Apesar dos sucessos de “Mulher-Maravilha” e “Capitã Marvel”, o novo lançamento da DC é definitivamente o filme mais feminino já lançado no universo dos quadrinhos. Além de ter múltiplas mulheres no centro da ação, ele aborda a emancipação de Arlequina, após romper seu relacionamento com o Coringa.

Na trama, a personagem precisa lidar com o fato de que, longe do ex, ela não tem mais carta branca para fazer o que bem entender em Gothan. Em meio à fossa pós-termino, ela precisa se aliar a outras mulheres para enfrentar o perigoso Máscara Negra (Ewan McGregor). São elas: Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell), Caçadora (Mary Elizabeth Winstead), Renee Montoya (Rosie Perez) e Cassandra Cain (Ella Jay Basco).

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Relacionamento abusivo em pauta

Para compreender o peso simbólico do rompimento de Arlequina e Coringa, é preciso recapitular a história do casal. Enquanto vilã, Arlequina foi literalmente criada pelo Coringa. Os dois se conheceram quando ele já era o homem mais temido de Gothan e Arlequina era a psiquiatra Harleen Quinzel. Incumbida de tratar o vilão em um manicômio, ela apaixonou-se perdidamente e passou a ser manipulada por ele. Como prova de amor, atirou-se no tanque de um produto químico perigoso. Ela enlouqueceu, se tornou devota do Coringa e essa união desenrolou-se como o romance mais tóxico e abusivo da história dos quadrinhos.

Ao emancipar-se, Arlequina não está simplesmente seguindo carreira solo. Ela está lambendo as feridas de um relacionamento extremamente abusivo. O filme deixa isso claro, mas sem ser panfletário nem didático demais. Há quem diga que o roteiro se acovardou em não ir mais fundo nesse quesito, mas essa é uma escolha que faz sentido por mais de uma razão. Primeiramente, porque (ainda) não é tarefa fácil lançar um filme abertamente feminista (e sim, ele é feminista) dentro do gênero. Em segundo lugar, porque “Aves de Rapina” não se propõe a seguir os passos de “Coringa” (o filme). Muito pelo contrário, afinal, o novo longa da DC não se leva nenhum pouco a sério – e isso é um acerto.

A psiquiatra Harleen Quinzel, momentos antes de jogar-se em um tanque de produto tóxico para provar seu amor por Coringa (Esquadrão Suicida/Reprodução)

Ao ser completamente despirocado, o filme consegue ser disruptivo sem tornar-se um produto nichado. E isso é bem inteligente.

Apesar de ser amado por inúmeras mulheres, o universo dos quadrinhos ainda é muito machista e a maneira como “Aves de Rapina” foi realizado faz com que ele tenha mais aderência junto ao público em geral. E é assim que as coisas precisam ser dentro do entretenimento de massa. Colocar o pé na porta para falar de problemas sociais – como fez o “Coringa” de Todd Phillips – dificilmente iria funcionar num filme que fala sobre misoginia. Quem sabe um dia…

Mesmo assim, “Aves de Rapina” é socialmente relevante. E é pluralmente emancipador.

Mulheres no roteiro e na direção

Esse é o primeiro filme de HQ com roteiro e direção totalmente assinados por mulheres. Isso é muito significativo por si só, mas ganha um peso ainda maior quando a gente lembra o quanto Arlequina foi objetificada em “Esquadrão Suicida”. Em “Aves de Rapina”, a personagem continua sexy, mas sem a apelação da famigerada calcinha azul e vermelha e dos (muitos) ângulos pensados para sexualizar o corpo de Margot Robbie. O figurino da personagem, aliás, é um dos pontos altos do filme e virou febre entre as cosplayers desde o primeiro trailer.

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Arlequina em “Esquadrão Suicida” (à esquerda) e em “Aves de Rapina” (à direita): ela continua sexy, mas sem objetificação (Esquadrão Suicida e Aves de Rapina/Reprodução)

Cathy Yan faz um ótimo trabalho na direção. O tempo cômico funciona bem e as cenas de luta idem. Visualmente, o filme é incrível, mostrando uma Gothan ora colorida (quase psicodélica em certos momentos), ora sombria. Algumas cenas tem jeitão de videoclipe e funcionam muito bem, com destaque para o momento em que Arlequina toca o terror em uma delegacia de polícia.

O roteiro de Christina Hodson tem altos e baixos e perde ritmo em alguns momentos – mas não a ponto de evocar o desastre completo de “Esquadrão Suicida”. Mesmo assim, no conjunto da obra há muito mais bons momentos – alguns ótimos, inclusive – do que ruins.

Também vale lembrar que Margot Robbie entrou em “Aves de Rapina” como produtora, tendo mais voz de decisão no resultado final. E, por falar nela, não tem como falar em “Aves de Rapina” sem frisar o quanto a atriz está incrível no filme. Esbanjando carisma e mostrando muita competência nas cenas de ação, ela crava de uma vez por todas que é perfeita para a personagem.

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Contraponto ao clichê das “mulheres na geladeira”

Em Aves de Rapina, o pontapé inicial do arco dramático de Arlequina é o rompimento com Coringa. Após o término, ela se vê meio perdida (e desprotegida), mas acaba descobrindo que dá conta de ser dona do próprio nariz.

De maneira, sutil e, mais uma vez, sem panfletagem, essa premissa se opõe a um dos maiores clichês machistas das HQs. São muitas as histórias em que o herói da trama parte em uma saga de vingança depois de perder a mulher amada, morta pelo vilão. Em inglês há até um termo específico para plots desse tipo: women in refrigerators (mulheres em geladeiras). O nome tem origem numa HQ do Lanterna Verde, em que o herói encontra a namorada morta dentro da geladeira.

Quadrinistas mulheres e leitoras de quadrinhos passaram a chamar a atenção para o fato de que isso é problemático, pois as personagens femininas são simplesmente tratadas como ferramenta narrativa para alavancar a trajetória dos heróis. Elas acabam sendo unidimensionais e totalmente descartáveis.

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Lanterna Verde e a namorada morta dentro da geladeira: clichê machista das HQs (Green Lantern #54/Reprodução)

Por conta de tudo isso, fantabuloso talvez essa seja a palavra que melhor define “Aves de Rapina”. Não apenas por ser a junção de fantástico e fabuloso, mas, sobretudo, por ser uma palavra inventada e totalmente irreverente.

Inventivo, esse é um filme que consegue quebrar paradigmas e inspirar novos ares para o cinema de massa. Mas faz isso de maneira orgânica, sem se levar a sério, com muito carisma e bom humor. Um trabalho ousado, louvável e muito necessário.

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